Confira a continuação da entrevista com o Sr. Valério Pietro Mondin, publicada na edição 71 (páginas 56-57).
Depois de fotografá-lo no interior da Biblioteca Euclides da Cunha, tivemos a oportunidade de conversar sobre o trabalho que resultou na publicação do livro, a homenagem recebida na Feira do Livro e a cultura. O resultado dessa conversa na sombra das árvores da Praça do Coreto você conhece abaixo.
Êxito: Como você começou a escrever?
Mondin: Acredito que desde as redações escolares, quando aprendi a abordar algum assunto proposto e a externar minhas opiniões. Houve determinada época que cheguei a escrever um diário, para estimular minhas lembranças e a escrita. Mais tarde, na universidade e no trabalho de extensão rural, escrever passou a ser, praticamente, uma necessidade.
Êxito: Como foi a sensação de transformar a apostila em um livro.
Já tinha a ideia antes?
Mondin: Não tinha a ideia, pensava apenas em transmitir esse conhecimento. Dentro da Epagri, sempre que tinha um resultado a gente buscava transmitir aos interessados. Publicávamos informações em jornais, nas apostilas, dávamos treinamentos. Depois que saímos da Epagri, o pessoal começou a pedir informações sobre isso e a gente mandava via e-mail ou publicava em algum jornal acessível, com isso, enviamos bastante material. Tentamos, também, publicar pela própria empresa, mas devido a dificuldades encontradas, vi que estava demorado. No último ano um diretor disse que se poderia publicar, mas pediu para excluir a parte sobre turismo.Achei que não deveria retirá-la, pois a incluímos justamente porque houve bastante interesse, logo não poderia eliminar essa parte. Tentei, também, publicar no meio gratuito e não deu certo. Daí, lembrei da Êxito, pois já tinha falado uma vez com vocês e resolvemos imprimir esse livro.
Como você vê a fruticultura hoje?
Mondin: Ela está mais evoluída em termos de conscientização do que a pessoa faz.Naquela época em que a gente começou, havia um entusiasmo com a fruticultura e entravam, inclusive, pessoas que não tinham condição, que não conheciam, que achavam seria fácil e ficariam ricas com a atividade, sem ter muito trabalho. Depois começaram as decepções. Quando começou a época de ter boas produções, ocorriam geadas prejudiciais. Alguns perdiam tudo, outros perdiam uma parte. Alguns com o desânimo, arrancavam ou abandonavam seus pomares. Na comercialização também houve dificuldades, pois tinha-se que buscar comprador e mercado. Pode-se, assim, dizer que houve um grande impulso inicial, mas que depois, aos poucos, foi se estruturando de uma forma mais consciente. Hoje a fruticultura é um grande negócio e em todo mundo, mas tem que se produzir de uma forma bem administrada, como uma empresa, visando um bom resultado final.
Eu vejo que de alguns anos para cá, os produtores se profissionalizaram.
Mondin: Sim, inclusive criamos, na época da extensão, os cursos profissionalizantes de fruticultura.Começamos os cursos em 1992, com o apoio de uma organização alemã de auxílio aos países em desenvolvimento, a GTZ e tivemos mais de 1800 produtores diferentes, não só de Santa Catarina como do Rio Grande do Sul e do Paraná. Nas diversas etapas tivemos mais de 6.000 participações isso de 1992 até 1999, ano que saí da Epagri. A média era de cerca 800 participações por ano, com as diversas etapas dos cursos. Havia uma procura e um desejo muito grande em se profissionalizar para conseguir melhores resultados nas propriedadese tratar a fruticultura como um empreendimento de sucesso.
Como foi esse processo de início do controle de geada? Teve resistência ou boa aceitação?
Mondin: Resistência não houve, porque quando aquele pessoal todo, que iniciou nos anos de 69 e 70, começou a chegar na época das primeiras produções comerciais, lá por 1973, começaram a ocorrer essas geadas e os diversos problemas. Muitos começaram a desanimar, arrancar ou a abandonar o pomar, como falei antes. Eu estava envolvido na fruticultura e pensei:"Não é possível". Procurei saber o que se fazia em outros países com relação à geada. Começamos a testar no Cetrevi de forma bem lenta e gradual, mas tão logo tínhamos o resultado, passávamos para eles para que pudessem implantar e ver que dava para fazer. No último de controle que fizemos, em 1999, quando houve uma geada realmente muito intensa, com – 5°C,convidamos até um fotógrafo profissional, o Adriano Maurina, para fotografar o resultado. Já aí,pensamos em publicar as fotografias, com as técnicas e os resultados obtidos em uma publicação só.
Vocês se transformaram, então, em uma referência no controle de geadas através do trabalho feito aqui.
Mondin: Sim, porque até onde sei, ninguém tinha feito esse trabalho no Brasil, da forma que fizemos. Eu sabia que tentavam fazer algo com nebulização em café, para protegê-lo da geada, no Sul de São Paulo, mas a nebulização é uma coisa que para nós não serve, porque pelo que sei, sua proteção é de 1° ou 1,5°C. Aqui a temperatura cai a 3° ou até 5°C abaixo de zero como aconteceu na geada de 1999 e não havia possibilidade de controlar com nebulização. Nas nossas condições de topografia, se fizer a nebulização, a tendência é que a neblina ou"fumaça", comumente chamada, vá para as baixadas, o que para nós, nem sempre serviria. Tentamos, então, outras alternativas. Na Espanha o pessoal usava muito o fogo.Iniciamos com o fogo, baseados no modelo da Espanha. A água era usada na Espanha, em partes da Itália, nos EUA, na França e em outros países. Buscamos saber como eles faziam. Havia outras maneiras de controle das geadas, feitas no exterior, que seriam impraticáveis para nós. Nos laranjais dos EUA, por exemplo, eles usam grandes ventiladores em torres, que fazem a mistura do ar quente das camadas mais altas com o ar frio mais próximo ao solo e conseguem manter uma temperatura adequada durante a noite toda. Na França, estavam testando até com raios infravermelhos, só que protege apenas as faces atingidas. Havia uma dificuldade de como atingir todo o conjunto até mesmo para eles que desenvolviam a técnica.
Isso tudo, Sr. Valério, já nos anos 90?
Mondin: Sim, isso já nos anos 90. Mas eram testes. Buscamos o que poderia ser mais prático. Pensamos assim: madeira não falta, serragem havia aos montes, óleo queimado também tinha bastante e chegava até a ser jogado nos rios, poluindo tudo. Tentamos com o fogo. Os primeiros testes foram com lenha, palha, pneus, serragem, óleos e várias combinações. Fizemos diversos testes, para chegar ao ponto do feixe de lenha e serragem com óleo que fizemos. O pneu não deu certo, pois queimava muito lentamente, de início e depois fazia aquele fogaréu, para diminuir de novo, em uma combustão muito rápida. Não dava para usá-lo. Tentamos cortar em pedaços, mas a cada meia hora tínhamos que repor, para alimentar novamente o fogo. Fazia, além disso, uma fumaça muito densa e que poderia ser tóxica. Testamos com óleo queimado, dentro de latas, com um pavio, mas conforme o óleo ia baixando, mais ou menos na metade da lata, apagava porque faltava ar. Testamos, assim, uma porção de opções para chegar no que descrevemos no livro.
Foram muitas noites sem dormir em função das geadas, não é?
Mondin: (Risos). Sim! A gente acordava de madrugada com susto, dizendo que ia dar geada. Ligava para o Cetrevi e perguntava como estava a temperatura, o preparo e outra informações. Nós nos propusemos a fazer e acompanhar, o guardião se prontificava em acompanhar a temperatura e dar o alarme para os funcionários fazerem o controle e foi assim mesmo.
Pensando no livro, como foi a sensação de ser homenageado na Feira do Livro?
Mondin: Eu me senti muito honrado com isso, não imaginava ser patrono de uma Feira do Livro. De muito,já sonhava com essa feira, desde que começamos em 2004. Só que não foi fácil. A gente levava para alguns que pegavam a ideia e sonhavam junto, mas na hora de fazer acontecer, era difícil. Até teve uma ocasião, em 2008, que eu cheguei a pensar: "Agora vai!". Houve a participação da Prefeitura, através daSecretaria de Educação eCultura, da Unoesc, da Unimed e de pessoas ligadas à educação e cultura local. A Unoesc até chegou a fazer um projeto, mas o evento não andou. Achei que a ideia não ia dar em nada. Até que em 2010, fui convidadopara uma reunião, aqui na biblioteca, onde foi criada a Associação dos Amigos da Biblioteca Euclides da Cunha - AABEC, cuja primeira programação era fazer a Feira do Livro de Videira. Programou-se meio sem saber se a população viria e se iria prestigiar. Realizou-se aqui no Pavilhão da Igreja Matriz e houve boa aceitação. Depois disso, chegou-se agora até essa VI Feira do Livro de Videira, em 2015. Para mim, portanto, foi uma honra muito grande, mas acho que essa homenagem deve ser dividida com todos aqueles que, desde o início, sonharam e trabalharam juntos, para que isso acontecesse. Acredito que fui escolhido para dar um agradecimento a todas essas pessoas. Foi uma honra muito grande!
Como o Senhor vê essa luta pela cultura de Videira, pela leitura e por todo esse estímulo ao conhecimento?
Mondin: Acho que Videira tem uma certa evidência em relação à cultura. Você vê que temos apresentações musicais, quase sempre tem exposições, eventos culturais ou alguma palestra. Agora com a Feira do Livro sendo realizada todos os anos, parece que começou a ser um marco, em que além dela acontecem outras programações em conjunto, como foram as palestras na Unoesc, eventos do IFC. Isso também acontece na grande Feira do Livro de Porto Alegre Tem-se uma série de eventos, que lá acontecem, caracterizando o período da Feira do Livro e que dura 15 dias, o que para nós por enquanto é inviável. Eu acho que Videira deveria explorar mais esse aspecto de ser uma cidade que está crescendo culturalmente, que está em evidência e tentar transformar isso como uma característica local, ou seja, uma cidade culturalmente ativa.
Temos muitas ações acontecendo de forma isolada, não é?
Mondin: Isso mesmo. Tudo deveria ser incorporado ao município, até para o turismo, porque o pessoal que gosta viria prestigiar, como tivemos com a VI Feira do Livro, que trouxe público de Pinheiro Preto, Caçador, Rio das Antas, Arroio Trinta, Capinzal, Treze Tílias e de outros municípios. Vê como chama? Uma cidade, portanto, que tem muitos eventos culturais passa a ser uma atração para quem gosta. É um estímulo para todos. Desenvolve-se alguma coisa, ao que parece pioneira. Isso é muito bom. Pode ser aproveitado no turismo, na cultura e na educação.
Mas partindo de um olhar integrado, que consiga olhar o todo.
Mondin: Justamente. A gente sabe que existe desencontros entre lideranças, entre projetos e entre pessoas, mas acho que precisamos olhar um pouco mais o conjunto e o interesse principal que é a população eo município, o restante tinha que ficar em segundo plano. Sabe-se que não é fácil, pois há também, muito radicalismo e fanatismo oque, para mim, é o mesmo que uma irracionalidade doentia e prepotente. Isso afasta e radicaliza as pessoas e também afasta e dificulta o que poderiam construir juntas. A união e a solidariedade serão sempre melhores.