19/02/2014

Edição 60 - Obsessões

Com papel e caneta

Leitor, com licença. Posso me sentar? Preciso te contar uma coisa. Minha última experiência – uma perseguição. Não. Não esse tipo, com carros de polícia de sirenes ligadas e helicópteros sem que Bruce Willis ou James Bond pudessem me defender com suas pistolas e artimanhas. Foi uma perseguição reptiliana, de palavras que rastejavam até meus pés e se enfiavam pele adentro. E com as palavras, vinha o conhecimento de fatos que o progresso se esqueceu de deixar a sabedoria antiga ensinar aos mais jovens. O que apareceu na minha frente foi um escândalo: um livro manuscrito. Exatamente! Um papel constantemente marcado pela tinta da caneta e depois transcrito para o computador para causar menor espanto. Eu poderia aceitar palavras que alertavam sua presença chacoalhando sua cauda de cobra. Mas não estava pronta para um manuscrito. Minha boca permaneceu aberta, infantilizada pela vergonha de escrever com a consciência de poder apagar qualquer palavra, varrê-la da existência, do dicionário e da vida.
O que a entrevista da Estante de Êxito, com Ardelino Grando, (além das reuniões com ele e o professor João Pedro Carneiro antes da publicação do livro) me provou é que minha escrita era acética, cheirando a desinfetante e perfume barato. Logo eu que pensava escrever suinamente, fuçando pelas palavras no meio da lama na tentativa (frustrada!) de resgatá-las. E Grando o fez com a delicadeza de quem conviveu com todas elas, acariciando a cabeça da cobra por puro carinho. Ele as resgatou porque a lembrança, por si só, é pálida, inútil. Não esquecer é deixar viver. E nesse caso, em específico, o não esquecimento é resgatar parte de uma cultura que pede socorro por não ter mais espaço em nossas cidades e nossas cabeças. Enquanto permanecermos fechados, seremos nada mais que um dado marcado. Manipuláveis e, por isso, indiferentes. Parte de uma massa tão controlável porque é ignorante: esqueceu que tão importante quanto viver é lembrar. E reviver.
Mas essa missão impossível, que não pôde pagar o cachê do Tom Cruise, ainda não acabou. As palavras seguem rastejando e trazem com ela, não um problema. Elas vêm com uma solução que não é se chamar Raimundo como suporia Drummond e figura como um convite na mesa de cabeceira. Escrevamos, também, a nossa própria história.
Boa leitura!